Poderia ter começado este texto também com outra frase. Talvez até mais aderente. “History doesn’t repeat itself, but it does rhyme” (Tradução livre: A história não se repete, mas rima). Essa frase é de Mark Twain e foi concebida em meados do século XIX. Como poucas coisas na vida, ela permanece atual até hoje.
A selva de pedras, ou melhor, o setor imobiliário, pulsa. Em ciclos. Boom & Burst. Passamos recentemente por um grande ciclo imobiliário que foi perdendo força de 2015 a 2018 em meio à gravidade da crise econômica. Nesse período, algumas construtoras pediram recuperação judicial (a exemplo da PDG Realty em 2017), outras tomavam dívidas caras, não-condizentes com o modelo de negócios, para fazer frente aos custos a incorrer das obras; o nível de estoque ainda era muito elevado (muitas construtoras queimavam margens para vender estoques e fazer caixa!), financiamento mais escasso com o agravante de uma crise econômica sem precedentes, sem contar que a lei de distratos ainda não estava em vigor, obrigando construtoras a devolverem os recursos pagos pelos clientes sem nenhum pênalti.
A contabilidade e o timing de execução peculiares contribuem para que haja um excesso de otimismo quando as coisas vão bem e um excesso de pessimismo quando as coisas vão mal. Os indicadores financeiros normalmente são “lagging indicators”, ou seja, mais dizem respeito ao passado do que ao futuro. Explico.
A imagem abaixo foi retirada de um estudo desenvolvido pelo fundo Equitas. Nela, podemos ver o ciclo de construção civil. Desde a decisão de investir até o último recebimento, esse ciclo pode levar de 5 a 12 anos.
Fonte: Equitas
O que acaba ocorrendo muitas vezes? As empresas que se diferenciam pelo nível de execução, conseguem comprar terrenos (montar o landbank) enquanto estaríamos no fim do ciclo, em período mais recessivo, e conseguem vender no momento de boom do setor, conseguindo melhores margens. Nesses momentos de início de ciclo, os números contábeis quase sempre são decepcionantes, pois existe um grau de investimento elevado sem que as vendas estejam a todo vapor (as vendas são contabilizadas em regime de Percentage of Completion, ou seja, mesmo que o momentum das vendas até esteja bom, a construtora só reconhece o faturamento no mesmo percentual em que as obras estiverem concluídas).
Vale a pena sempre ver, nesse cenário, o VGV (Valor Geral de Vendas) potencial do landbank (banco de terrenos) e a projeção de vendas das construtoras para os próximos anos (assim como a VSO – Velocidade de Vendas, ou vendas sobre a oferta). Em outras palavras, em momentos de recuperação do setor, vale a pena ter um olhar prospectivo, ao ver as entregas daqui para frente. Assim, conseguimos saber quanto a empresa vai vender e quanto terá de margens sobre essas vendas.
As construtoras poderiam (assim como muitas de fato o fizeram) se deixar levar pelos resultados do setor e continuar com elevado nível de lançamentos. O problema reside aqui. Quando, então, os lançamentos já tiverem sido concluídos (dentro de 1 a 2 anos), é possível que o cenário seja outro, não mais de boom. Dessa forma, teríamos um nível de estoque mais elevado, sem tanta demanda e um cenário desenhado semelhante àquele de 2015.
Existe um risco de execução que também vale a pena ser dito. Se a construtora vender muito rapidamente os imóveis e a obra só for concluída em um prazo de 1 a 2 anos, existe o risco de que o INCC e a inflação dos bens de construção civil impactem negativamente as margens da companhia.
OK, legal. Mas, finalmente, em que momento do ciclo nós estamos?
Algumas coisas nos fazem pensar que estamos no momento de retomada de crescimento no setor. Pode-se dizer que a primeira delas é o impacto positivo da taxa SELIC, atualmente em níveis muito baixos (mesmo considerando eventual subida de juros em função do aumento do risco fiscal – curva longa precifica algo como 10% aa). Se considerarmos a taxa na ponta (algo como no máximo TR+8%), temos uma taxa bem inferior à média histórica.
O impacto da queda da SELIC reflete diretamente na quantidade de pessoas que consegue financiar o imóvel, aumentando o mercado endereçável/potencial. Imagine o impacto de uma queda de 100 bps (1%) em um financiamento de 30 anos. A renda mínima financiável aumenta significativamente (400 bps de queda na taxa, indica um aumento de +30% no número de potenciais clientes – affordability)
Os preços dos imóveis também parecem estar em franca recuperação:
Não por coincidência, podemos ver nível de lançamentos e vendas líquidas muito elevado frente ao histórico, conforme o gráfico abaixo.
Se fizermos, novamente, uma análise prospectiva, veremos que, considerando os lançamentos e a velocidade de vendas, assumindo margens de cada player, veremos um ROE (retorno sobre o patrimônio líquido) crescente assim como margens brutas e líquidas. Começamos, em 2-3 anos, tudo no mais constante, a verificar as vendas (operacional) indo direto para o bottom-line (P&L), ou seja, o lucro líquido. Nesse contexto, estamos considerando o repasse de preços do INCC para o consumidor final, sem que haja deterioração nas margens.
Importante salientar que o ROE consolidado e esperado para 2022 chegaria próximo a 18% já considerando os follows-on, IPOs e outras captações de “equity” que ocorreram ao longo dos últimos anos no setor (e não foram poucas!). Se o denominador não tivesse crescido, ROE seria até maior.
Poxa, aí você pensa… Se tudo isso faz tanto sentido assim, as ações já não incorporam no preço?
Pois é. Aparentemente não é o caso. Algumas construtoras negociam próximo ou até mesmo abaixo do liquidation value (valor de liquidação). Isso se deve provavelmente à inclinação da curva de juros futuras em função, principalmente, do risco fiscal no Brasil. Além disso, estamos em um cenário de crise econômica e sanitária sem precedentes. Há também uma desconfiança de que as companhias, com uma Velocidade de Vendas tão grande, não conseguiriam repassar o custo do maior INCC (Se você fez reforma por esses dias, deve ter visto como estão caros os materiais de construção civil).
No caso, o mercado parece precificar o pior, daí vem a assimetria caso o cenário se materialize, mesmo que não de modo semelhante ao que imaginamos. Não há mal que dure para todo o sempre.
Ah. Bom observamos alguns sinais que o próprio mercado está emitindo. Moura Dubeux acabou de anunciar recompra de 10% das ações no free float (aproximadamente algo como R$ 50 mm de reais). Ano passado a EZTec lançou programa de recompra aos preços semelhantes (ligeiramente abaixo) aos preços atuais. Última vez que fez isso foi em 2015. Observem também as prévias operacionais das construtoras. Algumas estão vendendo em um fim de semana o imóvel lançado. (coincidência?)
Man you got to do your best
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