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7 de junho de 2022

15 Minutos de leitura

Vale à pena alocar parte do FGTS na Eletrobrás?

Essa é talvez a pergunta que mais recebemos nas últimas semanas. A possibilidade de participar da privatização da Eletrobrás via FGTS roubou a cena, mas não pelo grau de dificuldade da pergunta, afinal, é algo relativamente simples de responder. Grosso modo, quase todos estão vendo que vale à pena sacar parte do FGTS. Mas o que as pessoas não estão vendo é que essa não é uma “yes or no question”. Explico.

 

Desde pequenos, somos ensinados a marcar respostas dentre “as alternativas abaixo”, e, cá pra nós, isso é relativamente fácil de fazer. As pessoas se preocupam em limitar o pensamento a “sim ou não”, mas o mais importante é justamente o que vem após o sim ou não. Alguns chamam isso de “bloqueio do gabarito”, ou seja, você pode se dar bem em todas as provas da escola, mas isso não significa que está pronto para o mercado de trabalho ou para a vida, pois, as perguntas são abertas e não existe uma única resposta certa. Ou pior, muitas vezes você vai ter que tomar decisões e conviver com elas por anos e anos sem saber se foram acertadas ou não.

 

Talvez o exemplo mais emblemático que podemos dar seja esse, veja abaixo:

Gênio. Mas não só isso. Essa criança consegue ser genial e ao mesmo tempo esbanjar senso de humor, sarcasmo e ironia, tudo isso numa única resposta. O melhor de tudo é a “quebra de expectativa”, afinal, quem está corrigindo a prova, sabe muito bem que a criança em questão entende do assunto, basta ver as primeiras respostas. O professor que reprova um aluno desses, cria um bloqueio na criança e, pior, provavelmente não sabe a diferença entre a resposta acima e essa abaixo, veja:

 

Nesse caso, não é preciso pensar muito pra perceber que se trata de um aluno folgado tentando enganar o professor.

 

Pois bem, antes de partirmos para Eletrobrás, FGTS, investimentos etc., é importante dizer que aqui na åpen não contentamos com a “primeira resposta certa” e sim com aquela adequada ao contexto, ao indivíduo. Afinal, enquanto uma casa de research deve tratar investimento de forma impessoal, uma consultoria ou wealth management deve tratar investimento de forma personalizada.

 

Sem mais delongas, aqui vamos falar rapidamente da Eletrobrás e sua tese de investimento, para posteriormente mergulharmos nos 5 passos ou perguntas que você deve responder antes de sacar parte do seu FGTS. E se você está ansioso (a) para o “sim” ou “não” da pergunta central desse texto, de antemão já podemos adiantar que a resposta é sim. Mas, de novo, o mais importante vem depois.

 

O que é a Eletrobras?

 

A Eletrobrás é responsável por 38% da geração de energia do país, sendo 90% energia limpa, assim como 40% das linhas de transmissão do Brasil. Ela é a maior geradora e transmissora de energia elétrica da América Latina e na maioria das vezes fica de fora do radar dos investidores por ser uma estatal, fato que está próximo de uma mudança.

 

Nos últimos anos, temos visto avanços relevantes na empresa, o que nos deixa com um viés positivo em relação à tese, afinal, a privatização pode gerar valor adicional para a companhia. A Eletrobras é essencial para o Brasil, o peso dessa frase é inegável, pois, por um lado pode ser interessante investir na maior empresa de um setor resiliente, por outro, a importância da empresa é tamanha que a possibilidade de intervenções políticas não pode ser deixada de lado.

Privatização

 

Hoje a Eletrobras é controlada pela União, com 38% das ações nas mãos de investidores privados. A proposta de privatização consiste na venda de ações e diluição da fatia do governo para 45% ou menos do capital com direito a voto, retirando o estado do controle. Essa oferta transformaria a Eletrobrás em uma Corporation, que na prática é uma empresa sem controlador definido, isso não é novo no Brasil, vide Vale, Renner, entre outras empresas. A Eletrobras estima que, com a privatização, poderá investir mais que o dobro nos próximos anos. Por isso a empresa vem, há anos, sendo preparada para se tornar privada.

 

Atualmente, a companhia elétrica apresenta um balanço ajustado e a dívida sob controle. O problema está na falta de crescimento de seus resultados, mesmo com os lucros estáveis desde 2002.

 

Além disso, é importante mencionar que o governo federal terá golden share, uma ação que dá poder de veto. Outro grande risco é que não sabemos quem serão os novos donos da empresa. É provável que sob uma gestão privada, a Eletrobras melhore sua gestão e se torne uma empresa mais eficiente, principalmente nas despesas. Mas é importante ressaltar a competição altíssima do setor, assim como as empresas com management extremamente qualificado.

 

O que vem pela frente?

 

Enxergamos a privatização com bons olhos e, sem dúvida, será uma grande oportunidade para o time de gestão melhorar os resultados da empresa. Somente o fato da maior eficiência nas despesas e na capacidade de dobrar os investimentos, já devemos enxergar uma melhora nos resultados.

 

O consenso de algumas casas de investimento levantado pela provedora de dados Refinitiv, mostra um potencial de retorno da ordem de 10%. Por isso, quando olhamos os múltiplos de 7x EBITDA, enxergamos oportunidades mais óbvias e mais atrativas na bolsa brasileira. No entanto, diante da rentabilidade do FGTS de apenas 3% ao ano + TR (próxima de zero no momento), é inevitável que as pessoas se sintam atraídas por qualquer outra fonte de investimento e aqui vem um problema.

 

Não sei se você se lembra, mas em meados de 2018, a renda fixa entregava muito pouco aos investidores conservadores e, enquanto isso, a renda variável vinha de vento em poupa. Nos EUA criaram até a sigla: TINA (There Is No Alternative), que, na prática é algo tipo: “não tem jeito, saia da renda fixa ou perca para a inflação”.

 

O grande problema disso é que muitos foram pra renda variável sem estarem preparados para tal. Afinal, os investidores que outrora se viram acostumados com a inércia de ver seu patrimônio “sempre crescer”, passaram tomar conhecimento do conceito da volatilidade. E com volatilidade não se brinca, em pouco tempo tivemos trade war, pandemia, cirtcuit breakers e o resto você já sabe.

 

O principal ponto é, se você pensa em sair do FGTS somente porque “não há outra alternativa”, saiba que essa é uma decisão errada. A decisão de tomar risco precisa ser feita com foco no risco e não na rentabilidade. O nosso papel aqui não é dizer que tudo vai dar errado, mas a ciência do risco incremental é importante. Por isso criamos um framework de 5 passos que você deve ter em mente antes de tomar qualquer decisão de alocação do seu FGTS na Eletrobrás.

 

Os 5 passos e o Framework de decisão

 

Como mencionamos acima, esperamos que o retorno da Eletrobras, ao longo do tempo, seja superior aos 3%+TR do FGTS. No entanto, antes de tudo, veja o gráfico abaixo:

Ou seja, há uma grande diferença entre o retorno de um investimento e o retorno do investidor e isso ocorre devido aos vieses comportamentais. Isto é, por mais que, em tese, o retorno esperado de um investimento na Eletrobrás tenha maior upside do que o FGTS, a verdade é que grande parte dos investidores fica no meio do caminho.

 

Por isso, antes de pensar em tomar risco, o investidor deve olhar pra dentro e entender se está de acordo com uma carteira mais volátil. A única certeza que temos é que renda variável não é para todos e, pior, renda variável concentrada em uma única empresa, pode ser ainda mais arriscado. Então, vamos dar um passo para trás e entender toda árvore de decisão de um investidor antes investir parte do FGTS na Eletrobrás.

 

(1) Você já tem um apartamento? Como você sabe, o benefício do FGTS pode ser utilizado tanto na compra de um imóvel, como no abatimento de parcelas futuras. Se você pensa em adquirir sua casa própria nos próximos anos, ideal não pensar riscos adicionais no momento. Se você já tem um apartamento ou possui no FGTS um valor pequeno diante dessa possibilidade, vamos para o próximo passo.

 

(2) Como está a sua estabilidade no trabalho e qual é o seu nível de empregabilidade no mercado? Apesar do nível de desemprego ter reduzido bastante nos últimos anos (de 15 para 10,9%, segundo dados do BTG), diante da possibilidade de alta de juros no Estados Unidos, seguida de uma possível recessão, nada mais importante do que considerar a hipótese de estarmos diante de uma nova crise. Como o valor alocado na Eletrobrás deverá passar pelo menos um ano por lá, ideal que você pondere a possibilidade de precisar acessar o fundo em caso de demissão. Lembrando que essa é a principal finalidade do FGTS, dar estabilidade financeira ao trabalhador. Se você tem algum tipo de estabilidade no seu emprego atual ou um nível razoável de empregabilidade no mercado, podemos passar para o próximo ponto.

 

(3) Qual é o seu horizonte de investimento? Entenda que investimentos em ações devem visar o longo prazo, que é quando o preço converge para o valor e a tese de investimento se concretiza. Quando falamos de longo prazo, é bom ter em mente pelo menos 5 anos, porém, é importante levar em consideração que bons gestores de ações consideram 10 anos como um horizonte de investimento mais plausível para a classe. Lembra do gráfico da diferença do retorno de um investimento para o retorno de um investidor? As pessoas que ficaram pelo caminho são justamente as que não estão alinhadas com a tese ou horizonte de investimento. Pois bem, se você tem de fato um horizonte alinhado com os prazos acima, você pode passar para o próximo passo.

 

(4) Quanto você topa perder? Aqui vamos ter que desenvolver um pouquinho mais. Antes de mergulhar de cabeça em qualquer tese de investimento, pense na possibilidade de dar errado. Essa possibilidade não é uma particularidade da Eletrobrás e sim de qualquer investimento em ações. Sendo assim, ideal evitar concentrações na carteira. Na åpen, recomendamos até 5% de concentração em uma única empresa, levando em consideração o portfólio como um todo. É importante ressaltar que nossa filosofia de investimentos visa a alocação estratégica de recursos entre as diversas classes de ativos (asset allocation). A diversificação, por sinal, é um dos pilares das nossas recomendações de portfólio, sendo assim, considere primeiramente o que deve ser separado para a classe de ações e somente uma parte disso deve ser alocado em Eletrobrás.

 

Agora vamos para o efeito prático das coisas, até aqui falamos da tese de Eletrobrás, da concepção do FGTS e da matriz de decisão de um investidor para alocação do seu patrimônio. Mas o mais importante é para onde a sua carteira pode ir caso você inclua 5% de ações no seu portfólio. Como você sabe, esse é o nosso viés, pensar em portfólio enquanto grande parte da indústria financeira pensa em produto. Sendo assim, veja abaixo como se comporta uma carteira moderada (padrão åpen) com e sem 5% de Eletrobrás:

 

Ao primeiro olhar, o gráfico parece tentador, não? Você não está vendo a rentabilidade, mas sabe que o portfólio com ELET6 entregou mais rentabilidade nessa simulação. E, de fato, o retorno anualizado de um portfólio moderado nesse período gira em torno de 11,61%, já o portfólio moderado com 5% de Eletrobrás teve seu retorno anualizado incrementado para 12,89%.

 

Porém, os leitores mais atentos vão se perguntar se esse incremento de retorno vem acompanhado de um incremento de risco e esse ponto talvez seja o mais importante para o momento atual. Pois bem, a carteira moderada tem volatilidade histórica de 2,47%, já a carteira com Eletrobrás teve seu risco aumentado para 4,21%. Ou seja, praticamente dobrou.

 

Outra métrica importante de risco é o máximo drawdown, que representa a queda máxima histórica de um portfólio diante do cenário de maior estresse possível. É como se jogássemos as duas carteiras no mercado justamente naquela semana de circuit breakers da pandemia de 2020, assim podemos saber o que pode vir pela frente em caso de grandes tempestades. Pois bem, a queda máxima do portfólio moderado foi de 5,67%, já a da carteira com Eletrobrás foi de 9,09%.

 

Portanto, veja que o retorno adicional veio de fato acompanhado de risco adicional e que o efeito risco poderia ser maior caso o sizing de Eletrobrás ganhasse maior representatividade dentro da carteira.

 

É importante, mais uma vez, ressaltar que isoladamente a grande maioria das teses de investimento fazem sentido. Mas o trabalho mais difícil é encaixá-las dentro de um portfólio coeso, que esteja adequado ao seu perfil de risco e objetivos específicos. Então, se você chegou até aqui e acredita que faz sentido a alocação de Eletrobrás no seu portfólio, vamos para o próximo e derradeiro passo.

 

(5) Qual será a taxa de administração do fundo? Não é novidade para você que no mercado financeiro não existe almoço grátis. Como você sabe, o recurso do FGTS deve ser alocado num fundo e esse, por sinal, possui custos. Então, antes de alocar qualquer valor, veja o que você está pagando, pois não se trata necessariamente de um gasto pelo qual você irá “passar o cartão”. Na verdade a taxa de administração é um custo implícito, você não sente, mas ela está lá. Por isso, antes de tudo, veja que escolher o fundo mais barato também pode ser um diferencial para seu portfólio no longo prazo:

 

 

Ou seja, no futuro pode ser que você faça uma ótima decisão de investimento, mas ao negligenciar a taxa de administração do fundo, existe a possibilidade de deixar quase 1/5 da rentabilidade em cima da mesa. Sendo assim, procure fundos com taxa de 0,2% ou até taxa zero, abaixo está a relação de taxas cobradas pelos fundos das principais instituições financeiras do Brasil, assim como o framework final de decisão:

 

 

Framework de decisão de investimento

 

 

Considerações finais

 

Se você chegou até aqui, já sabe que o nosso foco não é o sim ou não da compra de Eletrobrás, não temos muito a acrescentar sobre isso. Afinal, nossas recomendações de carteira são majoritariamente posicionadas em fundos e ETFs, olhamos mais o macro do que o micro e deixamos o stock picking para bons fundos por acreditarmos na expertise dos gestores de ações da nossa preferência. Sendo assim, esse post não visa dar call de compra ou venda de um ativo e sim mostrar o impacto por trás de grandes decisões como essa.

 

Conforme falamos anteriormente, existem várias teses de investimento que isoladamente fazem sentido, mas esse é só o primeiro passo, o último passo é justamente encaixar as teses dentro de um portfólio coerente e ao mesmo tempo adequado ao seu perfil de risco e objetivos específicos. Ou seja, vale à pena alocar parte do FGTS na Eletrobrás? Sim, mas não sem antes passar pelo framework de decisão apresentado anteriormente.

 

Por Pedro Galvez, Túlio Cavalcanti e Saulo Godoy

 

 

DISCLAIMER
Este material foi elaborado pela equipe de análise da Åpen Capital Consultoria de Valores Mobiliários Ltda. (Åpen Capital) e não pode ser reproduzido ou redistribuído para qualquer pessoa, no todo ou em parte, qualquer que seja o propósito, sem o prévio consentimento por escrito da Åpen. As informações contidas neste documento são de caráter meramente informativo, não devendo ser entendidas como análise de valor mobiliário, solicitação de compra e/ou venda ou recomendação de qualquer ativo financeiro ou investimento. A decisão final de alocação cabe exclusivamente ao cliente. O material foi preparado com base em informações públicas, dados desenvolvidos internamente e outras fontes externas. Mesmo com todo o cuidado em sua coleta e manuseio, a Åpen não se responsabiliza pela publicação acidental de dados incorretos. Ademais, não pode ser assegurado que quaisquer metas descritas nesta apresentação permanecerão as mesmas ou que previsões se manterão, tendo em vista as frequentes alterações das condições econômicas e de mercado. A Åpen Capital, seus administradores, sócios e funcionários isentam-se de responsabilidade sobre quaisquer danos resultantes direta ou indiretamente da utilização das informações contidas no material.

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