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Economia

27 de fevereiro de 2023

11 Minutos de leitura

No universo paralelo, o Brasil teria dado certo?

“Tudo poderia ter sido o que não foi, mas sendo o que foi, não há como voltar atrás” (Ntistacien).

Imagine se por algum motivo, anos atrás, as pessoas que fundaram Nova Iorque tivessem, na verdade, feito isso em uma terra brasileira? Como seríamos hoje? Melhor, pior ou do mesmo jeito? Ou será que Nova Iorque simplesmente não existiria e seria apenas mais uma cidade tupiniquim como outra qualquer?

Pois bem. Não sei se você sabe, mas por mais que isso pareça distópico, existiu a possibilidade, ainda que remota, de isso acontecer.

Isso mesmo. Registros comprovam que no ano de 1654, 23 judeus aportaram em “Nova Amsterdam” e ajudaram a fundar a cidade que mais tarde ficou conhecida como Nova Iorque. E a verdade é que nós, brasileiros, participamos ativamente dessa empreitada.

 

O contexto era do fim da ocupação holandesa no nosso país. Na época, Recife era governada por uma colônia holandesa (de 1637 a 1643), sob a tutela de Maurício de Nassau, que tinha a ambição de transformar a cidade na “capital das Américas”. Por isso, fez reformas, construiu pontes, estradas e demais obras de infraestrutura que permanecem até hoje. Apesar de benquisto pela população, Nassau foi acusado por improbidade administrativa.

Após o fim da administração de Nassau, os holandeses passaram a exigir pagamento de dívidas dos senhores de engenho que estavam inadimplentes, o que, mais tarde, levou à Insurreição Pernambucana, episódio em que os luso-brasileiros ditaram o fim da ocupação.

A bordo do navio Valk, cerca de 600 judeus deixaram Recife, afinal os portugueses eram inflexíveis quanto à liberdade religiosa, por isso também resolveram sair. Aqui você possivelmente vai se lembrar da frase: “o Brasil não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade”.

 

Mas o ponto principal aqui é que, de fato, os recifenses fizeram a proeza de expulsar de sua cidade os judeus que vieram a fundar Nova Iorque! Que feito, hein? Esse ponto nos leva de volta à reflexão do início desse texto. Afinal, se por algum motivo, os judeus continuassem morando na cidade, será que a história teria sido diferente e o Brasil um país mais desenvolvido? Pois bem. Antes de responder essa pergunta, você precisa saber da história de uma cidade entre os Estados Unidos e México, cortada por um muro que, praticamente, define o destino das pessoas que moram por lá.

 

Por que as nações fracassam? 

Por que as nações fracassam | Amazon.com.br

Conforme ilustrado acima, a cidade de Nogales é cortada ao meio por uma cerca. Ao norte, no Arizona, distrito de Santa Cruz/EUA, a renda média domiciliar é de algo em torno de 30 mil dólares. Nesse lugar, a maioria dos adolescentes frequenta escola, assim como a maioria dos adultos se forma no ensino médio. Apesar do sistema de saúde americano ter seus problemas, a população é relativamente saudável, tendo expectativa de vida de acordo com os padrões mundiais. Em relação à segurança, à população local pode viver sem temer assaltos, elas têm certeza de que o governo trabalha pra elas, caso contrário, podem votar para substituí-lo.

            A vida ao sul da muralha é diferente. Embora os habitantes de Nogales, estado de Sonora, estejam numa parte relativamente próspera do México, sua renda domiciliar média é por volta de um terço da renda da sua versão americana. A maioria dos adultos de lá não se formou no ensino médio e muitos adolescentes não frequentam escola. As mães constantemente perdem o sono com a alta taxa de mortalidade infantil, a má qualidade do serviço de saúde, os serviços públicos de baixa qualidade, as estradas em más condições, a segurança ruim e a criminalidade alta. Pra piorar tudo, os habitantes de lá convivem diariamente com a corrupção e inércia dos políticos, que dificilmente são trocados pelo voto.

            E aqui é provável que os leitores mais atentos digam: como é possível duas cidades tão próximas, que possuem o mesmo clima, mesma geografia, sejam ao mesmo tempo tão diferentes? Quase que por reflexo, você pode pensar que a diferença esteja nos habitantes. Será que o povo do norte é descendente dos europeus e do sul, descendente dos astecas? Não.

            Quando o México se tornou independente da Espanha, a cidade de Loganes fazia parte do estado mexicano de “Vieja de California” e assim permaneceu mesmo após a guerra entre o México e os Estados Unidos (1846-1848). Na verdade, foi no ano de 1853 que a fronteira americana se estendeu até essa área. Os habitantes de Loganes, Arizona, e de Loganes, Sonora, têm ancestrais em comum, compartilham a mesma comida e música, sendo possível dizer, inclusive, que compartilham a mesma cultura.

            Segundo Acemoglu e Robinson descrevem no livro “Por Que as Nações Fracassam”, que, claro, serviu de base para esse texto, a distinção entre as duas cidades ocorre majoritariamente por causa das instituições.

Entenda. Ao norte, os habitantes de Loganes, Arizona, têm acesso às instituições econômicas dos Estados Unidos, que lhes permite escolher livremente suas ocupações, se instruir e se qualificar. O acesso às melhores tecnologias gera maior produtividade, assim como salários mais altos. Já ao sul, os habitantes de Loganes, Sonora, não compartilham da mesma “sorte” e vivem num mundo particularmente hostil.

É claro que as instituições dos países refletem fatores históricos, se os EUA enfrentaram cinco anos de instabilidade política entre 1860 e 1865, o México viveu instabilidade quase que contínua nos seus primeiros cinquenta anos de independência. Entre 1824 e 1867, os mexicanos tiveram 52 presidentes e, pior, poucos deles assumiram o poder de acordo com quaisquer procedimentos constitucionais. Por isso, na primeira metade do século XIX, enquanto os Estados Unidos começavam a viver os reflexos da revolução industrial, o México empobreceu.

A importância das instituições é vital para a estabilidade e crescimento da sociedade. Pense, por exemplo, no sistema de patentes. O que impressiona nos registros americanos é que historicamente houve concessões de patentes a pessoas de todo tipo de origem e trajetória, não apenas à elite.

Entre 1820 e 1845, apenas 19% dos agraciados com patentes nos EUA tinham pais com profissão formal ou pertenciam a famílias ricas. No mesmo período, 40% dos que obtiveram patentes só tinham instrução primária ou nem isso. Segundo os autores Acemoglu e Robinson, além de serem politicamente mais democráticos do que qualquer outra nação do mundo no século XIX, os Estados Unidos também eram mais democráticos do que os demais em termos de inovação. Isso foi decisivo para que se tornassem a nação economicamente mais inovadora do planeta.

Pense, por exemplo, em Thomas Edison, inventor da lâmpada elétrica e fundador da General Eletric (GE). Ele foi caçula de sete filhos, seu pai teve muitas ocupações, desde a de cortar madeira para fabricação de telhados até a alfaiataria, além de ter sido dono de uma taverna. Thomas teve pouca instrução formal, sendo educado em casa pela mãe. Naquela época, se você fosse pobre e tivesse uma boa ideia, era relativamente simples conseguir uma patente. Embora seja verdade que exista a dificuldade de utilizá-la para ganhar dinheiro. Mas, havia a possibilidade de vender a patente para alguém e foi justamente isso que Edison fez no começo de sua carreira, quando vendeu o telégrafo para a Western Union. Mas vender patentes só era uma boa ideia para alguém genial como Edison, que tinha ideias mais rápido do que a sua capacidade de executá-las, por isso a importância de outra coisa vital: acesso ao capital.

Segundo os autores do livro, em 1818 havia 338 bancos em operação nos EUA, com ativos totais de 160 milhões de dólares. Já em 1914, existiam 27.864 bancos, com ativos totais de 27,3 bilhões de dólares. Ou seja, a competição intensa entre os bancos e instituições financeiras faz com que o capital seja disponibilizado a taxas de juros razoavelmente baixas. E aí você me pergunta sobre o México… Nessa altura do campeonato, é possível que você já saiba. Em 1910, quando o país passava pela Revolução Mexicana, havia apenas 42 bancos, onde apenas dois deles controlavam 60% do total de ativos.

 

 

 

 

Isso te lembra algum país com a bandeira majoritariamente pintada de verde e amarelo?

Por isso, Acemoglu e Robinson dizem que a razão para que Nogales, Arizona, seja tão mais rica que Nogales, Sonora, é simples: as instituições. Os autores completam que cada sociedade funciona com um conjunto de regras econômicas e políticas criadas e garantidas pelo Estado e pelos cidadãos, coletivamente.

As instituições econômicas moldam os incentivos econômicos: os incentivos para se tornar uma pessoa instruída, para poupar e investir, para inovar, adotar novas tecnologias e assim por diante. O processo político determina sob quais instituições econômicas as pessoas vivem, ou seja, são as instituições políticas que determinam como todo o processo funciona.

Sendo assim, as instituições políticas de uma nação determinam a capacidade de seus cidadãos de controlar políticos e influenciar o modo como eles se comportam. Isso determina se a classe política trabalha para os cidadãos ou se é capaz de abusar do poder a ela confiado para acumular poderes, fortunas e perseguir seus próprios interesses em detrimento dos demais.

Ao influenciar o comportamento e os incentivos, às instituições forjam o sucesso ou o fracasso das nações. O talento individual faz diferença em todos os níveis da sociedade, mas até isso depende de um modelo institucional que o transforma em uma força positiva. A diferença entre Bill Gates e Carlos Slim (empresário mexicano conhecido como rei Midas das telecomunicações) é que o poder do primeiro é bastante limitado, já o segundo pode fazer o que bem quer. Afinal, as instituições americanas são mais fortes e, na maioria dos casos, prevalecem.

Por fim, os autores conseguem distinguir com maestria os tipos de instituições entre inclusivas e extrativistas. As extrativistas concentram o poder nas mãos de uma pequena elite e estabelecem poucos limites para o exercício do poder. Já as inclusivas, distribuem o poder amplamente entre a sociedade, por isso as decisões costumam ser benéficas à nação.

 

Respostas simples para problemas complexos

 

            Após esse pequeno exemplo, que, por sinal, é muito mais bem descrito no capítulo 1 do livro “Por Que As Nações Fracassam”, é bem provável que você tenha em mente qual seria o destino dos judeus que fundaram Nova Iorque caso ficassem por aqui. Não sei se você sabe, mas muitos permaneceram e migraram para o interior do nordeste e nem por isso temos uma grande metrópole no interior do país.   

            Pois bem. Por fim, o contexto brasileiro é de crise institucional. Enquanto o poder Executivo anteriormente estava em guerra com o poder Judiciário, hoje o poder Executivo está em guerra com o Banco Central.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente do FED (Banco Central Americano), Gerome Powell, subiu juros numa velocidade e magnitude nunca vista desde os anos oitenta e mesmo assim o presidente Biden não o culpa por isso. O causo poderia ser levado para o lado pessoal, se você levar em consideração o fato de Powell ser um Republicano declarado. Mas as instituições são fortes e isso faz a diferença na estabilidade e crescimento de um país. Afinal, o ciclo monetário é completamente diferente do ciclo político.

Esse é apenas um exemplo de “instituições inclusivas”, conforme mencionados pelos autores, pois, as decisões não são tomadas por um pequeno grupo de pessoas, o que ainda não é o caso do Brasil.

 

Por Tulio Cavalcanti

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